CIFF 2020 | Christian Petzold inicia trilogia transformando mito ‘Undine’ em um intrigante romance

O primeiro filme da trilogia baseada em mitos dirigido por Christian Petzold é uma adaptação do mito Undine (Ondina). Durante o século XIX Friedrich de la Motte Fouqué publicou um livro de contos de fadas onde um dos contos era sobre Undine. Nele, Undine, um espírito da água, se casa com um cavaleiro chamado Huldebrand para ganhar uma alma. Com diversas adaptações pelo mundo, no longa alemão Petzold nos apresenta Undine (Paula Beer), uma jovem que trabalha como historiadora e dá palestras sobre o desenvolvimento urbano de Berlim. Apaixonada, descobre que seu namorado (Jacob Matschenz) se envolveu com outra pessoa, devido a traição e separação, Undine precisa matar o rapaz e voltar para a água. 

Tomada pela dor de ver o homem que ama deixando-a, após uma de suas palestras Undine é convidada para um café por um dos integrantes do grupo que visita o museu no qual trabalha. Estabelecendo uma nova relação com ele, Cristoph (Franz Rogowski), ambos vivem uma intensa história de amor, mas, não tendo matado o seu ex namorado, ela é cobrada por suas obrigações. O filme foi exibido no Festival de Berlim onde ganhou o prêmio da crítica o FIPRESCI PrizeFestival de Vancouver (VIFF) e Festival de Chicago (CIFF), onde o Quarta Parede POP pôde conferir.

Responsável pelo roteiro e direção do filme, Petzold executa ambos com maestria. Tornando Undine e Cristoph um só, quando estão juntos é imperceptível que há uma câmera presente os seguindo. Petzold utiliza na direção tudo o que seu roteiro possui de mais atrativo, além do enfoque no relacionamento, a relação de ambos com a água. Conectados de forma quase mágica, o próprio universo sente a potência dos dois juntos desde que se conhecem. E enquanto se tornam cada vez mais próximos, o público também passa a conhecer e entender mundo no qual eles vivem. Nada no filme acontece por acaso, nem mesmo as mais inofensivas ações dos personagens. 

Interpretada por Paula Beer (vencedora do Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim), Undine é extremamente magnética. Sensível e sensual, a jovem é tomada por suas emoções de forma que são elas que as faz sublimar suas obrigações. Trabalhando em um museu que apresenta todos os dias a história de criação da cidade de Berlim, a moça passa seus dias contando como a arquitetura da cidade foi planejada, replicada, na tentativa de alcançar qualquer satisfação social. Enquanto isso, Christoph trabalha como engenheiro submarino, passando grande parte do seu tempo nos rios. Enquanto ela está em terra firme, buscando através da história apresentar algo verídico, ele se submerge nas águas, local para onde Undine não deseja voltar tão cedo. 

O filme trava a dualidade do casal a partir das ocorrências na trama. Assim como em Padrenostro (2020), não dá para saber o que é real e o que não é, principalmente tendo em vista que o filme é inspirado em um mito. Mas, diferente do drama italiano, o filme alemão sabe exatamente como conduzir a fantasia que propõe.

Undine possui uma série de eventos fantasmagóricos que não possuem uma justificativa plausível no mundo material: a quebra de um aquário quando eles se conhecem, um telefonema misterioso, a sutil ameaça de morte que faz ao seu ex-namorado. E toso esses fatores tornam o filme ainda mais atraente. Devido a isso, Petzold nos convida para que, a partir de suas imagens, possamos desvendar o quebra-cabeça e os mistérios que cercam a jovem Undine. 

Com uma melancólica (Concerto in D Minor, BWW 974: II. Adagio) e divertida (Stayin’ Alive) trilha sonora, Petzold não quer que Undine seja algo só. Divertido, misterioso, melancólico e dramático, o filme (e personagem) passeia entre as emoções, convidando o público, seu acompanhante imaginário, para que se entregue ao romance junto com ela e assim, viver o que a jornada permitir que seja vivido.

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