Com spoilers da 4ª temporada de O Último Guardião
A caminhada da série O Último Guardião (The Protector), sucesso turco da Netflix que estreou em 2018, foi cheia de altos e baixos. Como já havia comentado em minha última crítica, a segunda temporada deu uma rasteira feia na história cujo início tinha sido tão promissor, uma agradável surpresa para nós, ocidentais, geralmente alheios, ou pouco conhecedores da cultura do Leste, suas lendas e estilo de atuação.
Sendo assim, não é difícil confessar que quase desisti do seriado e só comecei a assistir à terceira parte, que foi ao ar em março deste ano, em homenagem ao prelúdio da obra, que foi e continua sendo também seu ápice. Com a chegada recente da quarta temporada, convido então o leitor a me acompanhar nessa última crítica sobre a aventura de Hakan Demir (Çagatay Ulusoy), o Protetor, contra o imortal Faysal Erdem (Okan Yalabik).
O que salvou O Último Guardião?
Não há dúvidas de que a entrada de Funda Eryigit (Nisan/Vizir/Valeriya) no elenco de O Último Guardião foi o que conseguiu trazer a série de volta à vida depois do fiasco da segunda temporada. Mesmo assim, a obra só foi se recuperar de verdade agora, na quarta temporada, à medida que a personagem de Eryigit crescia.
Dessarte, Nisan se tornou não só o novo fio condutor da trama, principalmente depois de se revelar como a Vizir, mas também salvou outro lado da história que havia ficado vazio desde que Leyla (Ayça Aysin Turan), par romântico de Hakan, deixou a série. Estava claro desde o início que Zeynep (Hazar Ergüçlü), a líder da Lealdade (irmandade de apoio ao Protetor) não tinha química nenhuma com o protagonista e jamais poderia substituir Leyla nesse quesito, mas Nisan conseguiu realizar essa tarefa e, mesmo que seu romance com Hakan tenha sido rápido, pairou no ar durante toda a quarta temporada, mantendo o espectador na expectativa o tempo todo.
Assim, mesmo que o happy end do Protetor tenha sido de fato com Zeynep, foi essa expectativa que alimentou o público nessa parte final.
Os bons fatores da 4ª temporada
Mantendo o foco ainda em Nisan (ou Vizir, como preferirem), a jornada dessa personagem também foi um dos fatores que contribuíram para melhora de O Último Guardião na última temporada. Ela se ergueu como uma das piores vilãs da trama, talvez mais poderosa ainda que o próprio Faysal, mas havia nela uma centelha de redenção que se confirmou com as viagens no tempo que Hakan começou a fazer.
Sendo assim, pudemos conhecer duas facetas da Vizir, a do presente (Nisan) e a do passado (Valeriya). A primeira sim é a vilã, implacável, que quase matou o Protetor, uma mulher ferida e ressentida que se uniu a Faysal para destruir Istambul. Já a segunda preservava a inocência de uma jovem que ainda não conhecera a traição e que, ao contrário do seu eu do futuro, se une a Hakan para derrotar os Imortais (mesmo sendo ela própria um deles). Essa dualidade ajudou em muito a recuperar o tom interessante que vigorou na primeira temporada.
Mas não foi só isso. A atuação de Çagatay Ulusoy também melhorou bastante, tornando-se mais condizente com seu personagem que, afinal, é o Protetor de Istambul, ou seja, Hakan amadureceu. Quando o(a) protagonista melhora, a tendência é que a história melhore também (mesmo que essa não seja uma máxima universal). Mesmo assim, Okan Yalabik, o Faysal, se manteve de longe como o melhor ator da série, voltando à sua essência do mal que já tínhamos conhecido antes e que, inacreditavelmente, tinham tentado tirar dele depois da primeira temporada.
Por outro lado, a fotografia e a caracterização dos personagens (principalmente no que concerne aos penteados) nessa última temporada ajudaram bastante a contextualizar o público na trama, que passou a envolver, como já dito, as viagens no tempo. A floresta e a iluminação um pouco mais sombria nos levavam ao passado de forma convincente e, mesmo que o bigode horrível e a trança esquisita do Hakan do século XV tenham ficado um pouco estranhos, também ajudaram nessa tarefa.
O espírito de O Último Guardião se manteve
No entanto, mesmo com tantas reviravoltas, o espírito da série se manteve o mesmo nesse final, ou seja, usando e abusando do ex-machina, recurso utilizado na Antiguidade greco-latina e que se define como “recurso dramatúrgico que consistia originariamente na descida em cena de um deus cuja missão era dar uma solução arbitrária a um impasse vivido pelos personagens.“
Tal artifício deve ser utilizado com muita cautela, vez que impede o espectador de antever os acontecimentos da história, deixando tudo a cargo da imaginação e/ou dedução, e dificilmente funciona nos dias atuais. Não obstante, O Último Guardião está aí, a exceção que confirma a regra.
Em contrapartida, mesmo que a maioria dos personagens sejam rasos, apareçam do nada e desapareçam com a mesma rapidez e mesmo com o uso do ex-machina e de todos os outros erros que podemos encontrar (reforço a indicação de leitura da minha última crítica), uma história surgiu, ascendeu, caiu e se reergueu, entregando um final satisfatório.
O Último Guardião pode não ser parâmetro para o que consideramos uma história concisa, lógica e racional (em resumo, uma boa história) como hoje esperamos que uma história seja, mas é forte o bastante para que no mínimo o público consiga se divertir e ter uma noção da cultura turca que, aliás, é muito rica e muito, muito antiga. A série chega ao fim e, com tudo o que foi dito, uma coisa posso afirmar: é certo que Hakan, Zeynep, Faysal e Nisan ficarão na memória.