Morgan Spurlock e o fast-food realista em ‘Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia’

Contrariando a dieta do palhaço: Super Size Me

Depois de 13 anos, após o lançamento do polêmico documentário Super Size Me – A Dieta do PalhaçoMorgan Spurlock (diretor, roteirista e produtor) retorna com uma continuação: Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia (2017), disponível no Amazon Prime Video. No primeiro filme, ele se propôs a se alimentar somente com os produtos do cardápio do McDonald´s durante 1 mês.

Nesse período, ele passou por vários estados americanos na tentativa de provar todo o cardápio da famigerada rede de fast-food. Ao término de sua cruzada gastronômica, Morgan adquiriu graves problemas de saúde, praticamente todos os seus índices estavam alterados. Chegou a ser hospitalizado com problemas cardíacos, de triglicerídeos, colesterol, diabetes e um ganho de 7 quiilos!

O primeiro documentário foi um dos marcos na luta por hábitos alimentares mais saudáveis, pressionando assim as companhias de fast-food a oferecerem uma dieta mais equilibrada. Pouco tempo depois, o McDonald´s introduziu em seu cardápio alternativas como salada, cenoura, maçã, água de coco, entre outros. É válido destacar que os Estados Unidos possuem um grave problema no que se refere a cultura alimentar, pois ela é essencialmente baseada no junk-food. Não é à toa que a sua população é que contém a maior quantidade de obesos mórbidos do mundo.

Fazendo parte do problema em Super Size Me 2

Logo no início de Super Size Me 2: O Frango Nosso de Cada Dia, Morgan nota que apesar da introdução de alimentos mais saudáveis, os restaurante de fast-food eram essencialmente os mesmos. Os sanduíches eram idênticos, com o mesmo sabor e características. As mudanças mais significativas eram relação as cores das lanchonetes, não havia mais as cores berrantes. Foram substituídas pelo marrom e pelo verde, propiciando uma sensação de que os produtos eram mais naturais. Apesar da embalagem ter mudado, a salada ter sido aumentada nos sanduiches e a publicidade ter adquirido uma conotação mais naturalista, o junk-food era essencialmente igual ao de outrora.

Diante da farsa das redes de fast-food, Morgan deixou de ser apenas um consumidor e, então, decidiu “fazer parte do problema” (como ele mesmo disse) e abriu a sua própria rede, porém com uma proposta mais saudável e honesta. Primeiro ele precisaria definir um conceito e um produto que seria chave para a sua rede. Em nome de uma alimentação mais saudável, preferiu investir no frango ao invés do hambúrguer, mais especificamente, no sanduíche de frango. Para saber melhor sobre as opções oferecidas pela concorrência, fez uma pesquisa e experimentou o sanduíche de frango de várias delas.

Não foi difícil concluir que na grande maioria delas, os sanduíches não tinham tanta qualidade. Preocupado com os atributos do frango, Morgan decidiu comprar um viveiro para ele mesmo criar os frangos e ter controle do alimento que venderia. Entretanto, não seria nada fácil comprar galinhas ou pintinhos. Ele descobriu que a venda dos frangos era monopolizada por 5 empresas, responsáveis por 99% do mercado. Depois de muito esforço, ele encontrou uma chocadeira independente para lhe vender os pintinhos. Além disso, surgiu uma nova questão. Morgan era a favor de vender sanduíches com frango grelhado, entretanto, 90% dos americanos preferem o frango frito. Como ele mesmo percebeu, o frango frito é mais saboroso e possui uma consistência melhor.

O efeito halo e a manipulação das grandes empresas 

Um dos conceitos mais importantes explorados em boa parte de Super Size Me 2 foi o efeito Halo. Segundo os especialistas, esse efeito é uma tática de marketing explorada por muitas empresas, com a intenção de tornar os seus produtos mais saudáveis. Como se eles fossem preparados artesanalmente, com ingredientes naturais, frescos, sem o acréscimo de corantes ou conservantes. Morgan, ao retornar ao seu algoz, depois de tantos anos, percebe que o sanduíche possui o mesmo gosto. A única revolução ocorrida de fato, foi no marketing da empresa.

Nos últimos anos, os consumidores passaram a ser mais exigentes e preocupados com a origem dos ingredientes, com a forma em que os animais foram abatidos, se foram criados com certa liberdade. Ao mesmo tempo, o movimento vegetariano e veganismo cresceram significativamente, estabelecendo assim, um forte nicho de consumo e grandes protestos contra o consumo de animais. Inclusive, muitas celebridades apoiam a causa, como Paul McCartney, responsável pela criação do movimento da segunda-feira sem carne.

Um outro ponto bem revelador de Super Size Me 2 é a manipulação das 5 empresas americanas de frango em relação a seleção dos produtos dos criadores das galinhas. Essas empresas elaboraram uma competição entre eles, para a estabelecer qual frango tinha uma melhor qualidade. Assim, o primeiro colocado receberia o maior valor da venda do frango, enquanto o último no ranking embolsaria o pior preço.

Além de ser um sistema cruel, os critérios de classificação são controversos, pois muitas vezes o criador do melhor frango não obtêm um bom posicionamento. A intenção das empresas é a de permutar indiscriminadamente esse ranking, pois assim, uma boa parte das granjas se torna endividada e dependente delas. Afinal elas sabem que os criadores de frango não conseguem vender os animais para outras indústrias e os granjeiros não teriam condições de mudar de ramo por estarem endividados.

Uma proposta audaciosa

Na última parte do documentário, o restaurante de Morgan foi inaugurado. Conforme o prometido, ele entregou um produto honesto e transparente, expondo a forma como os frangos foram criados, os truques de marketing baseados no efeito Halo e o preparo do sanduíche. O protagonista do documentário fez o melhor possível no que se refere ao custo-benefício. Em nome disso, sacrificou uma parte da filosofia 100% saudável e decidiu fritar e grelhar o frango, apesar de não ser o ideal.

Por outro lado, em todo o restaurante há explicações a respeito do processo de fabricação do sanduíche. Ele revelou para os clientes que seus frangos não são tão saudáveis, pois sofrem uma aceleração no crescimento, tornando-os feios e com penas curtas, pois as penas não acompanham o desenvolvimento precoce deles. Morgan admitiu sua tentativa em produzir um fast-food saudável, mas no fim, percebeu que somente conseguiria reduzir danos. Então apostou na transparência, apontou as mentiras contadas pelas outras redes, e destacou para os clientes as virtudes e os defeitos de seu restaurante. Em pouco tempo, sua rede se tornou um sucesso, com a possibilidade da abertura de várias franquias nos Estados Unidos.

Super Size Me 2 é um documentário instrutivo, seja nos quesitos a respeito da criação de uma empresa, truques de marketing ou na manipulação do mercado. Morgan Spurlock acerta no tom e no sarcasmo, seja no uso de falas inteligentes ou a utilização de músicas clássicas. O diretor não poupou críticas na pseudo-nova-filosofia das redes de fast-food e a demagoga preocupação em oferecer refeições saudáveis.

É interessante pensar que o sucesso da Holy Chicken! se deve principalmente pela sua honestidade total, revelando as incoerências e as impossibilidades de certas exigências dos clientes das quais muitas redes fingem cumprir. Como no caso da criação livre dos frangos, devido a produção em larga escala das aves, é impossível deixá-las soltas. Muitos clientes fantasiam com um cenário bucólico e romanceado dos frangos criados ao ar-livre em sítios, como nos séculos anteriores.

Morgan desobedeceu todos os antigos truques do capitalismo e do marketing, ao invés de esconder a podridão dos bastidores, preferiu revelá-los. Com muita coragem, mostrou os macetes do seu negócio, como o efeito da grelha no frango, que na verdade foi pintado com carvão. Pode-se afirmar que Morgan se tornou uma espécie de “Mister M” do fast-food, revelando os segredos dos encantos proporcionados pelas outras companhias. Resta saber se os clientes conseguirão sustentar essa verdade por muito tempo, talvez escolham continuar a ser enganados.

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