Se existe uma palavra que se repete muito quando falamos de cinema e televisão é clichê. Tudo se repete, tudo é igual, nada é original. E sim, tem muita verdade nisso. Até aparecer Fleabag. A série, coproduzida pela BBC e pela Amazon e criada pela atriz britânica Phoebe Waller-Bridge – que também assume o papel principal – é o que surgiu de mais original no que se refere a seriados nos últimos tempos.
Você pode até se perguntar como uma história cujo tema é a mulher e o feminino (já que hoje não se fala em outra coisa, direta ou indiretamente) pode oferecer algo novo. Mas essa dúvida só permanece em quem não assistiu a série.
Não é só a atuação genial de Waller-Bridge que torna Fleabag especial, já temos muitos atores e atrizes incríveis por aí que, com seu talento e carisma, acabam salvando as histórias do fracasso. O diferencial da produção está em seu formato – meio diferente do que estamos acostumados – e na forma como o tema mulher e feminino é abordado – que foge do tal clichê que lhe foi atribuído nos tempos modernos.
Ora, e como a série faz isso? Simples: sendo corajosa e tendo muita qualidade. Waller-Bridge interage com o público fazendo o oposto do que é usual na televisão. Geralmente o ator/atriz ignora a câmera – e ela(a) deve fazer isso -, sendo o espectador uma espécie de “deus” onisciente observador que assiste a tudo sob essa ou aquela perspectiva.


Porém, nesse seriado em questão, Fleabag (que também é o nome usado para se referir à personagem principal) desvia-se constantemente dessa convenção. Ela literalmente olha para a câmera e conversa com quem está lhe assistindo. Não conversa somente com quem ela está contracenando, não conversa somente com ela mesma, conversa com você. E isso faz com que o público desça de seu lugar comum divino para dividir com ela, de igual para igual, as questões terrenas.
E quando falo de igual para igual, quero dizer principalmente as mulheres, uma vez que, como já dito, estamos falando de uma série centrada em uma mulher. Só que o mais interessante é o que os homens, apesar de se identificarem menos, obviamente, se divertirão tanto quanto elas e terão uma pequena amostra de como nós enxergamos algumas coisas no mundo, principalmente o sexo.
Mais um clichê? Sim e não. Não estamos falando de um Cinquenta Tons de Cinza e, apesar de ser extremamente sexual, Fleabag está longe de se comparar à Anastasia Steele. Aqui o sexo tem um milhão de significados, bons e ruins também. Ele é mostrado em toda a complexidade que possui na cabeça de uma mulher. Como explicar, por exemplo, o fato de a protagonista, em uma das cenas da primeira temporada, concordar com seu parceiro que a transa foi incrível quando, na verdade ele não a impressionou nem um pouco? Ou em outra, quando ela prefere afastar o namorado e se masturbar sozinha, enquanto ele assiste? Os homens talvez não entendam, mas as mulheres saberão exatamente o que ela quis dizer ali. É por isso que nos sentimos como uma espécie de melhor amiga para ela e não meras observadoras.
A segunda temporada voltou com tudo, ainda melhor que a primeira, e mereceu cada um dos 6 Emmys que recebeu, sendo que deveria ter levado os 11 a que foi indicada e mais um ainda. Manteve a qualidade da primeira, sendo a continuação da história de uma mulher que esconde a culpa e principalmente a solidão por trás de um humor inteligente, que nos faz rir ao mesmo tempo que mostra o quanto somos vulneráveis. A cena em que ela se confessa com O Padre (com “O” maiúsculo mesmo, não posso falar mais nada sem dar spoiler) ilustra isso muito bem. É quando ela se despe de qualquer fachada e se revela como realmente é sente.
Está aí, então, como sexo e amor podem ser tratados de forma original e espontânea, sem forçar nada. Na verdade, chamar temas como estes de clichês parece errado, já que são motes inesgotáveis por excelência e belos por si só.
FLEABAG – A SÉRIE
RESUMO:
Criada e protagonizada por Phoebe Waller-Bridge, Fleabag mostra como temas considerados clichês podem ser abordados de forma original.
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