Além de ser lembrada como uma das séries mais intrigantes desta década, The Leftovers pode ser orgulhar de um grande feito: colocar os teóricos da internet no escuro. O surreal e inimaginável The Most Powerful Man in the World (and His Identical Twin Brother) é uma prova disso. Afinal de contas, quem poderia prever o que aconteceu neste penúltimo episódio?
Verdade seja dita: conforme imaginávamos o outro lado estava lá. Kevin pode morrer e ter uma outra vida fora de Jarden e ele ainda tem a capacidade de manter-se dentro da narrativa quando tem sua “morte interrompida”. A questão é que o episódio sobre os gêmeos idênticos é repleto de simbolismos que refletem a dualidade do protagonista, oscilando entre o drama que é impulsionado pela loucura pós partida, que curiosamente, é o mesmo motivo pelo qual situações que beiram ao ridículo sejam sustentadas até o limite.
E agora? Kevin Garvey Sr.
A grande questão em The Leftovers sempre foi acompanhar esse grupo de pessoas quebradas que ficaram, ou literalmente, as sobras. A intensidade com a qual eles lidam com a partida e a sensação de impotência é tão grande quanto a ausência de controle. Desta forma, é fácil se apegar a uma ideia ou crença, mesmo que isso soe tão absurdo quando um frango que diz o que Kevin Sr. deve fazer ou a ideia de que Matt alimentava acerca de um Messias. Todos querem respostas para suas angustias ou o protagonismo para si, mas nunca estão preparados para lidar com a negação da expectativa. O que acontece quando o plano falha? E quando tudo aquilo que resta para se apegar se vai? É que questiona o pai de Kevin, sem rumo após promover uma cruzada bizarra pela Austrália.
O mesmo diretor de International Assassin, Craig Zoebel, retorna neste episódio para nos guiar por quase uma hora entre dois mundos. O plano real, onde um dilúvio está prestes a acontecer, e o outro, seja qual for, onde Kevin Garvey também é Kevin Harvey. Lá vemos uma séries de rostos conhecidos como Dean, Meg, Patti, Christopher Sunday, Evie, Kevin australiano e até conhecemos os filhos de Grace Playford. Todos em versões alternativas. É um episódio com um tom mais tragicômico do que a primeira ida de Kevin, diga-se. Mesmo com a narrativa densa a intrigante, aqui sobra espaço para piadas sobre pênis e o próprio fato de que o homem mais poderoso do mundo é um remanescente culpado, em versão modernizada.
As missões que não foram cumpridas e a vida que segue
Com o mundo no lugar após uma grande chuva, um desapontado Kevin Sr. parece não ver mais sentido em sua jornada. De fato não há. A única coisa que pode ser pior que o fim do mundo é aguardar por este acontecimento e ele não ocorrer. Isso é de fato, uma grande rima com a mulher que ia para o telhado no início desta temporada. Pior do que aguardar a volta do Messias foi constatar de fato que ela estava errada e continuar a vida. No caso do egocêntrico, irritante e até por vezes engraçado ex-chefe de polícia, é o fim e mais um arco da série.
As respostas que todos procuravam não foram bem solucionadas do outro lado. Os filhos de Grace pareciam indiferentes, o ministro Christopher Sunday não tinha música alguma para impedir o fim do mundo e Evie não aparentava crer em nada do que Kevin dizia. No entanto, sobre sua família estar morta ela estava errada mas nunca algo soou tão certo sobre Kevin Garvey:
Seu discurso de agora…aquelas palavras eram suas? Você não parecia acreditar nelas. Você só faz o que lhe dizem. O que você quer?
A angustiante cena onde Justin Theroux expele água pela boca é uma das mais emblemáticas de toda a série. Ali ele ouve um retrato de sua vida, sobretudo seus últimos dias. Ele não acredita mas cumpre as agendas individuais do seu pai e amigos, mas o que ele realmente quer não é nada disso. Neste momento, vários momentos de sua existência durante os sete anos em que se passam a série são mostrados de forma bem rápida, sobretudo suas “mortes”, os momentos com Patti e sobretudo Nora. Sempre intercalando com o sua tentativa de sufocamento com o plástico na cabeça. Tudo isso culmina em uma cena onde a fotografia de John Grillo é simplesmente exuberante, captada durante a intensa chuva.
Seja lá qual for e o que for o outro lado, de fato Kevin era até então um personagem em negação. Aqui isso é demonstrado através de seus dois lados. Policial protetor e assassino implacável, personagem de um livro e escritor de sua história, cético e ao mesmo disposto a morrer para atravessar uma dimensão. As duas faces do protagonista invariavelmente o levaram a tomar atitudes. Do outro lado ele desempenha um papel que não pode neste mundo. Ele não é capaz de se esforçar para cuidar de sua família mas encontra em missões sem sentido um objetivo.
Acabar com este mundo e matar o outro Kevin significa reconhecer que de fato a vida dos que estão ao seu redor não tem sido tão boa. Em especial a de Nora. Já tivemos um vislumbre de seu futuro nada feliz, seja lá o que tenha acontecido. Mas não é o que se passou na Austrália. Tanto a vida de Kevin quanto a dos demais poderia ter girado em torno de cuidar uns dos outros ao invés de buscar explicações satisfatórias e concretas. Nossa existência é calcada no questionamento mas nem tudo será respondido. Isso inclui nossa experiência como espectador também.
Sobre a jornada de Kevin em uma narrativa que inclui tramas militares, de espionagem e até mesmo comédia, ai vai um grande conselho: aprecie sem tentar extrair muita lógica. É um mundo disfuncional e um lado imprevisível, onde a cabeça de Kevin se funde com uma espécie de purgatório de situações limite para serem cumpridas. É uma viagem que nos entretêm por grande parte do tempo mas que no final das contas só nos mostra uma coisa: O controle não existe e há coisas que são simplesmente inexplicáveis. Talvez por isso ele se sentisse tão vivo e pelo mesmo motivo isso era tão irreal e mascarava o que realmente importava e estava ao seu lado. Não tenhamos, portanto, raiva de Patti. Ela cuidou de Kevin e o libertou. A cena da explosão, diga-se de passagem, é arrepiante.
Falta apenas um episódio para The Leftovers encerrar sua jornada. O flerte com fé, religião, física e outros tantos elementos apimentam essa irretocável temporada mas cada vez mais vemos que, a grande questão aqui é o cuidado. Sim, o amor em todas as suas esferas. Nisso esses quebrados personagens não tem obtido tanto sucesso e veremos o que esse último capítulo irá nos deixar para reflexão. Será uma despedida e tanto.
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